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Um e-mail na minha caixa de entrada. Um convite para um trabalho que pagava consideravelmente bem. Era uma proposta simples: trabalhar o conteúdo do ciclo do ouro no Brasil com crianças do quinto ano com RPG. Na minha cabeça isso significava crianças na quinta série, mas, com a reforma do ensino no Brasil, isso significava na verdade trabalhar com crianças na quarta série. Parece não haver diferença alguma, no entanto lembro-me dessa passagem em minha vida e sei que a mudança qualitativa dos conteúdos entre o quarto e o quinto ano é considerável.
Um e-mail na minha caixa de entrada. Um convite para um trabalho que pagava consideravelmente bem. Era uma proposta simples: trabalhar o conteúdo do ciclo do ouro no Brasil com crianças do quinto ano com RPG. Na minha cabeça isso significava crianças na quinta série, mas, com a reforma do ensino no Brasil, isso significava na verdade trabalhar com crianças na quarta série. Parece não haver diferença alguma, no entanto lembro-me dessa passagem em minha vida e sei que a mudança qualitativa dos conteúdos entre o quarto e o quinto ano é considerável.
Ainda assim eu, o Thiago e o Daniel não nos permitiram ficar assustados com
essa situação. Por três semanas encontramo-nos durante jantares e cafés para
pensar quais conteúdos deveriam ser abordados por nossa aventura e como isso
poderia ser potente em uma história de RPG. Como as professoras nos conheciam e
tinham plena consciência que a imaginação só é potente se irrestrita;
confiaram-nos a capacidade de trabalharmos com quaisquer conteúdos da grade que
achássemos necessários. Elegemos a escravidão, o cerceamento da vida cotidiana
e as relações de troca em um quadrilátero pouco alimentado e de acesso restrito
como os temas mais relevantes a serem trabalhados para aquelas turmas.
Como transformar conteúdos tão potentes e, ao mesmo tempo, polêmicos em uma
vivência? Essa era a questão central do jogo. Precisávamos que as crianças vivessem
e se lembrassem do que viviam como conteúdos maiores do que eles realmente
podem parecer na lida diária. Estipulamos poucas regras para nos ajudar. A
primeira era que eles poderiam escolher seus personagens apenas entre uma
limitada seleção pré-fabricada; assim garantíamos que cada personagem a sua
maneira já estivesse envolvido com a trama. Para diversificar as opções e
mostrar a grande diversidade dentre a população brasileira elegemos personagens
que eram escravos, senhores, caçadores de escravos e religiosos de ambos os
sexos para que os alunos pudessem escolher quem cada um deles interpretaria.
A seguir pensamos que, ainda que o enredo estivesse pontilhado por muitos
conteúdos, a aventura deveria ter uma história simples, com algumas viradas em
seu decorrer e personagens não-jogadores (NPC) que estivessem dispostos tanto a
ajudá-los como atrapalhá-los, o que garantia por sua vez que os alunos deveriam
prestar atenção mesmo quando não estavam praticando ação alguma para reconhecer
se era possível ou não pensar nas informações como verdadeiras ou falsas. Por
fim, a regra mais importante a aventura deveria ser um mistério. Uma caçada ao
assassino de escravos que havia assassinado a propriedade de um distinto Senhor
dono de uma mina de ouro próximo a Mariana.
Nossa intenção era maximizar a diversão dos envolvidos sem permitir que os
conteúdos pudessem ser ignorados de forma alguma. Todas as pistas e indicações
que os alunos encontrariam estariam sempre envolvidas em um panorama histórico
e um mistério que se projetava como sombrio. A solução estética que encontramos
para garantir esses dois pontos foram uma narração tensa e cheia de sombras e
personagens que tentavam, por vezes, incriminar jogadores sobre o assassinato.
Os jogadores interagiram de maneira única com a aventura. Todos permaneceram
em seus papéis atentos ao seu entorno e o que cada elemento da narrativa
significava em um panorama histórico. Foi interessante notar como os alunos
resolveram o enigma, mais ainda como eles relacionaram cada um de seus avatares
em jogo, as personagens de jogadores e interpretadas pelo mestre, com
arquétipos que existem em nosso imaginário contemporâneo sobre o período. O
exercício da imaginação foi ali imprescindível para a perda da dimensão
individual de jogo e de construção de narrativa para que cada um de nossos
alunos, durante aquele dia, percebessem que toda história pode [e em alguma
medida] é uma narração coletiva de um dado que pertence mais ao passado do que
ao presente. Afinal o momento está sempre escapando-nos pelos dedos.
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